"O maior problema do Estado é não saber gerir"
"O SNS foi um bem que temos de respeitar. Não o é neste momento, se não se transformar e não evoluir, não se ter aberto ao mundo da concorrência. O grande problema é ter parado e ser parasitado por vários interesses. O maior problema do Estado é não saber gerir", diz Artur Osório, médico de formação, e gestor no grupoTrofa.
E dá exemplos. "Os partidos mudavam e mudava a administração e iam afiliados dos partidos. O bloco central era perito nestas nomeações, muitas delas incompetentes. Entram interesses corporativos, dos fornecedores, da indústria farmacêutica, que torna tudo mais caro. O dirigente do privado para sobreviver tem de escolher os gestores, médicos, enfermeiros mais eficientes, sabem comprar os produtos. Não são premiáveis a cunhas", aponta.
Artur Osório defende que o papel do Estado é garantir o acesso à saúde. "Este é o Estado Social. Não diz na Constituição que tem se ser feito através de hospitais. O Estado tem de pensar o mundo da concorrência, de forma a conseguir fazer melhor e mais barato", afirma. E dá exemplos. "As consultas, em média a seguradora paga ao privado entre 20 e 30 euros. O Estado paga ao hospital pública nunca menos de 80 euros. Em alguns casos o valor chega aos 140 euros, para o manter", disse, referindo que os grupos privados estão prontos para gerir as unidades públicas.
Segundo o responsável, o setor privado representa entre 20% a 25% do sistema nacional de saúde. "Só os hospitais fazem 1,5 mil milhões de euros por ano. Realizam cerca de um milhão de cirurgias, seis a sete milhões de consultas. É um setor que está a crescer. Há organismos que em dois anos e meio duplicaram o número de clientes".
Apesar do cenário aparentemente confortável, Artur Osório diz que há unidades mais pequenas que enfrentam algumas dificuldades "muito por culta das dívidas do Estado, sobretudo cirurgias que fazem parte do programa integrado de gestão de listas de espera [SIGIC] e alguns meios complementares de diagnóstico.
A revisão da tabela de preços a pagar aos convencionados levou a anterior direção a dizer que cirurgias podiam ficar por fazer porque o valor pago é inferior ao custo. "Não tenho conhecimento de casos de recusa, mas 30% dos casos os valores são abaixo do custo real. Em alguns casos o preço está 50% abaixo. Vê-se que não foi calculado".
Cortes cegos
O responsável diz que "os portugueses não podem gastar mais com a saúde". "O País tem sido muito liberal no acesso a cuidados de saúde. Só podemos ter políticas de saúde conforme o dinheiro que temos para gastar. Não podemos pedir empréstimos para manter o acesso à saúde. Temos excesso de camas de agudos e falta de camas para doentes crónicos e paliativos. O Estado deve entregar os hospitais a quem os gere melhor, mas deve manter na sua órbita mecanismos de formação e regulação".
Depois dos cortes, alguns cegos, afirma que está na hora de estruturar o sistema nacional de saúde. "A vida coletiva é como a vida das pessoas. Quando nos vemos na falência, primeiros cortamos depois planeamos a nossa vida. Alguns dos cortes foram exagerados e cegos, nomeadamente o corte na área dos medicamentos. Estávamos no 80 e passou-se para o 8. Está na altura de estruturarmos o sistema. Temos de manter o SNS e geri-lo melhor".